INICIATIVAS
Entrevista
Miguel Sousa Prado – Estudo sobre Águas Subterrâneas

Entrevista
- Temos conhecimento que a Sousa Prado e Filhos tem em curso um estudo preliminar sobre águas subterrâneas na vossa propriedade. Pode partilhar o objetivo do estudo?
O objetivo deste estudo, dado o contexto atual de restrições ao fornecimento de água para o sector agrícola, é estudar o aproveitamento que podemos fazer na nossa propriedade das águas pluviais como fonte complementar de água ao abastecimento proveniente da Albufeira de Santa Clara. Trata-se de um estudo hidrogeológico que pretende calcular o balanço hídrico da propriedade e determinar a chamada taxa de recarga de aquífero, ou seja, a quantidade de água que naturalmente se infiltra no solo. Em termos genéricos, a quantidade de água subterrânea que se pode extrair anualmente (o denominado recurso hídrico disponível) é uma percentagem da taxa de recarga (regra geral 80%).
O recurso hídrico disponível é estimado pela APA – Agência Portuguesa do Ambiente para as diferentes massas de águas subterrâneas em que o nosso país foi dividido. Para o caso da massa de água aonde se encontra o Perímetro de Rega de Mira, que tem uma extensão de cerca de 1700km2 e engloba a quase totalidade do concelho de Odemira, chegando a Almodôvar, o recurso hídrico disponível estimado é de 184m3/ha/ano. Este valor resulta da precipitação média observada e da hidrogeologia da região. Por exemplo, no caso da massa de água de Querença-Silves no Algarve, o recurso hídrico disponível estimado é de 1473 m3/ha/ano, cerca de 8 vezes superior ao nosso aqui no Litoral Alentejano. É por esta razão que grande parte do regadio no Algarve é tradicionalmente baseado em águas subterrâneas e aqui no Mira o regadio é com baseado em águas superficiais da bacia da Albufeira de Santa Clara. No entanto, a hidrogeologia da nossa faixa costeira aqui no Perimetro do Mira tem diferenças com a observada na restante área mais interior da região que engloba a nossa massa de água. A principal diferença reside numa camada de areia de espessura variável podendo chegar a 15-20m sobre a plataforma de xistos aqui no litoral em oposição à camada de solo relativamente fina que costumamos observar mais no interior do concelho. É esta diferença geológica que permite antever que as taxas de recarga de aquífero aqui junto do Litoral possam ser localmente maiores do que aquela estimada de forma mais macro para toda esta região.
O principal objetivo do estudo, será assim indicar que é possível aumentar o volume de extração de água subterrânea anualmente de forma sustentável, e assim, podermos complementar a rega realizada com água da barragem com águas subterrâneas da nossa propriedade, aumentando a nossa resiliência hídrica.
Este modelo poderá ser especialmente útil para culturas com menos valor económico no mercado, e que por esse motivo, têm mais dificuldade em pagar os escalões mais altos da água fornecida pela ABM.
- A que atribui a pouca investigação que tem sido realizada relativamente a esta fonte de água?
Esta região foi sempre conhecida pela sua abundância em água, no entanto, há relativamente pouco tempo, verificou-se um anormal decréscimo na precipitação, tendo em conta o histórico da precipitação observado de mais de 50 anos que temos registo na Albufeira de Santa Clara. Como nunca tivemos falta de água excepto agora nestes últimos 5-6 anos, nunca se sentiu a necessidade de explorar ou investigar outras fontes de água alternativas.
Para termos uma ideia de como o contexto hidrológico que vivemos modificou-se tanto em tão pouco tempo é importante compararmos o que observamos agora com aquilo que se observava no passado. No passado acumulávamos anualmente uma média de cerca de 90 hm3 de água na Albufeira de Santa Clara. Havia sequências de 3 a 4 anos de baixa precipitação seguidos depois de anos de elevada precipitação, provocando as descidas e subidas normais do nível da Albufeira. Um bom exemplo é a década de 90 onde tivemos uma sequência de 4 anos secos onde a Albufeira encaixou em média apenas 18hm3 anualmente, tendo provocado a primeira incursão no chamado “Volume Morto” da Albufeira mas foram seguidos depois por 3 anos de elevada precipitação onde as entradas de água foram superiores a 230hm3 em média anualmente, levando a descargas de superfície significativas. Mesmo tendo em consideração a variabilidade decadal, observaram-se oscilações das médias a 10 anos volumes acumulados em Santa Clara entre os 60 e 120hm3/ano. Se olharmos para os últimos anos, assustamo-nos… Entre 2018 e 2022, tivemos a pior sequência de 5 anos de sempre, com uma acumulação média de volume em Santa Clara de apenas 19hm3/ano e a média dos últimos 10 anos anda agora pelos 30hm3/ano, ou seja, os períodos de seca estão aparentemente a ficar maiores e já não são seguidos por anos muitos chuvosos, como estávamos habituados no passado. É por esta razão que o nível na Albufeira desceu para cotas mínimas históricas em 2023 e não voltou a transbordar desde 2011, como era normal no passado, mesmo havendo agora uma contenção fortíssima de mais de 70% do consumo agrícola. Perante a alteração drástica da realidade hídrica da nossa região já não se pode olhar para Santa Clara como uma fonte de água abundante e fiável… e é por isso natural que se procurem fontes alternativas.
- Assumindo que o potencial existe e é justificativo, de que forma pode ele se aproveitado?
O aproveitamento das águas pluviais no perímetro de rega do Mira é provavelmente a fonte alternativa de água mais rápida e barata que podemos arranjar, uma vez que a água já cai dessalinizada do céu e não precisa de ser transportada pois cai diretamente nos terrenos onde se pretende utilizá-la. Requer fundamentalmente resolvermos um problema de armazenamento uma vez que quando ela cai, normalmente não coincide com a altura em que precisamos de regar. As águas pluviais podem ser armazenadas superficialmente utilizando charcas/reservatórios ou então subterrâneamente promovendo a infiltração da água nos solos.
A armazenamento superficial genericamente garante rega geral uma excelente qualidade da água mas requer volumes de escavação elevados e tem perdas por evaporação. Já o armazenamento subterrâneo não garante a mesma qualidade da água mas em contrapartida não requer grandes mobilizações de terras, nem tem perdas por evaporação elevadas. Dependendo da qualidade da água subterrânea poderá ser necessário realizar alguma mistura com a água de Santa Clara e em última instância recorrer a “mini-dessalinizadoras” para obtermos a água com os parâmetros que queiramos, mas neste caso obviamente com um custo mais elevado. Já temos exemplos destas práticas em várias explorações agrícolas dentro do perímetro de rega do Mira.